terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Por Afonso


É difícil imaginar o que senti ao passar pelas cidades, Belo Horizonte, Ouro Preto, Juiz de Fora, Rio de Janeiro, locais que num passado já distante moldou o meu perfil de cidadão, artista e, sobretudo, do ser humano, cujas características me fizeram personagem do presente documentário.

Em Ouro Preto hospedarmos no mesmo pensionato em que vivi durante alguns anos da minha adolescência, a antiga Pensão Vermelha, localizada ao lado da mais bela igreja ouropretana, a Igreja de São Francisco de Assis. A pensão, hoje denominada Pousada dos Sinos, permanece inalterada, apesar da mudança do nome, e das adequações para tornar-se um ambiente destinado ao turismo local. Muito limpa e confortável é hoje dirigida por membros de uma família que vivia outrora num casarão localizado no próprio Largo de São Francisco. As suas proprietárias, Angelina e Claudia, eram as jovens e bonitas mocinhas do quarteirão, observadas e cobiçadas pelos jovens estudantes da antiga Pensão Vermelha. Hoje, já maduras, mães e avós, estas senhoras mantém o sorriso maravilhoso que nos seduziam no passado. Muito simpáticas me fizeram entrar em contato com a filha de Júlio Fortes, um antigo preso político ouropretano, que foi preso logo depois do golpe militar de 64, e morreu em conseqüência das torturas em que foi submetido. A filha, por sua vez me fez relembrar de outros presos políticos da cidade, logo após o golpe de 64: Júlio Fortes, Sebastião Maria Preta, Antônio Morin, Marcos Pignatari, Kirki Jerônimo, Sônia Lima e Elson Fortes, etc. Os nomes citados fizeram aguçar ainda mais as minhas reminiscências do passado, e entre estas, a revolta que senti na época ao tomar conhecimento desta manifestação de intolerância e de arrogância das autoridades locais.
A nossa próxima escalada foi a irradiante cidade mineira, Juiz de Fora, de onde zarpamos diretamente ao local da filmagem: a penitenciária de Linhares. Ali ocorreu algo inesperado: foi permitido à equipe filmar o interior de uma cela, onde então fiz um longo depoimento sobre a minha experiência de preso político. Mas o que mais nos impressionou foi a forma cordial e respeitosa com que fomos tratado, tanto da diretora de atendimento, A Sra Suely Ferraz, quanto do Capitão Henrique. Este último nos conduziu pelo interior do presídio e falou sobre o seu contato com os últimos presos políticos de Linhares logo que ele começou ali sua carreira profissional. Para completar, um funcionário já grisalho e beirando os cinqüenta anos, confessou-me que o seu pai também foi preso político em Linhares e se asilou durante algum tempo em Santiago de Chile logo após o golpe militar de 64. Retornou, porém, ao Brasil, anos antes do governo de Salvador Allende, portanto bem antes que a maioria dos asilados políticos chegasse ao Chile. Esta recepção inesperada por parte da própria direção do presídio, acrescida do relato do funcionário foi alentador e gratificante.

Prosseguimos a viagem em direção à cidade do Rio de Janeiro, onde tive a oportunidade de participar de uma das ações mais importante do Grupo COLINA e de passar por outro lado, por um dos períodos mais duro da minha experiência carcerária, que foi exatamente nas masmorras da PE da Vila Militar e da PE de Barão de Mesquita. A entrada na cidade do Rio de Janeiro por si só nos trouxe uma sensação de liberdade inigualável, o que nos custa acreditar na propalada violência da cidade tão exaustivamente difundida pela imprensa tupiniquim. Talvez a descontração do povo, a beleza de uma natureza que resiste os ditames do progresso sejam os elementos que favorecem esta sensação, mas uma coisa eu tenho certeza, o pouco tempo que passarei no Rio não será suficiente para uma mudança radical de opinião. Esta sensação foi ampliada pelo encontro com o Grupo de 68, um grupo formado por antigos militantes de esquerda, muitos deles ex-presos políticos, e exilados políticos que debatem periodicamente as suas opiniões políticas. Através desta reunião, ocorrida num pequeno bar de nome Taberninha da Glória, tive a oportunidade de rever alguns companheiros de luta e conhecer muitos outros, com os quais trocamos opiniões através de s e-mails, mas que até então não tivera a oportunidade de conhecê-los pessoalmente.

O retorno à Uberlândia se dará nesta madrugada do dia 16 de dezembro e o faço com uma certeza inabalável: mergulhei num passado remoto da minha vida e voltei à tona com novas lembranças que permaneciam escondidas no fundo da minha alma. Espero que as viajes no Chile e na Alemanha alimentem ainda mais o meu espírito, e corroborem efetivamente na elaboração deste documentário.

afonso lana
rio de janeiro

3 comentários:

Maricota disse...

Um dia empacotei alguns objetos pertencentes a minha mãe. Passados anos, arrumando o armário encontrei uma sacola. Lá estavam eles de volta. Não tinham o mesmo cheiro, cor, muito menos quem mais combinasse com aquilo tudo. Entretanto, tinham uma luz diferente. Vista de outra angular. Eu não era mais aquela menina e o tempo não era o mesmo. A dor era diferente, um misto de embriaguez e euforia. Talvez fosse a felicidade de hoje entender que a história não acabou...É assim que vejo sua história, Afonso Lana, e deste modo compreendo sua emoção ao descascar paredes de memória.
Sucesso a vocês todos e feliz caminhada!!!! Aguardo passo a passo literalmente.

Abraços,
Mariana Rocha
Belo Horizonte

Gabriel disse...

quero ver esse documentário.

Anônimo disse...

O/tempo/nos/diZ/que/quem/Conta/a/
história/são/os/venCedores/
Portanto/Afonso,Conte/sua/história/
Com/todos/os/detelhes,mesmo/aqueles/
que/v/julgar/irrelevantes,porque/
neles/nós/enContraremos/os/elos/que/
nos/ligarão/a/sua/história.
Estamos/juntos.

(DesCulpem/a/forma/esCrita.Meu/
teClado/pifou,algumas/letras/foram/
substituídas/por/maiúClulas/e/o/
espaço/por/barras)

PauloBrasilDoRio