sábado, 28 de fevereiro de 2009

Viagem à Dresden

Manchete em um dos maiores jornais de Dresden: “Ladrão é preso batendo carteira no centro da cidade”. Rimos prá valer. Onde já se viu uma notícia como essa dar manchete! Notícias que se prestam têm que ter muito tiroteio e pelo menos meia dúzia de meia dúzia de mortos prá ninguém colocar defeito; um estrupinho de vez em quando, algumas balas perdidas arrebentando os miolos de algum incauto por aí, têm também o seu espaço garantido, mas dar tal alarde sobre batendo carteira, nem pensar! Isso foi o que passou na nossa cabeça no primeiro momento; demorou um pouco prá gente se situar de fato numa realidade bem distinta da nossa. Na realidade, estamos na principal cidade da região saxônica da antiga Alemanha Oriental, onde trabalhei, estudei e tive a tranqüilidade de fazer as necessárias reflexões sobre a minha prática política anterior. O retorno a essa cidade, após vinte oito anos de ausência, foi emocionante. Encontrei Dresden completamente reformada, e quase não consegui identificar os lugares que em que transitava no passado. A arquitetura barroca parcialmente destruída durante a 2. Guerra Mundial se apresenta agora íntegra como uma cirurgia plástica que oculta no rosto de alguns dos nossos sexagenários as alterações implacáveis do tempo. Em parte, confesso que senti a falta daquelas ruínas pontiagudas que se projetavam em direção ao céu plumoso, as sua partes mais pontiagudas. E tem um motivo muito claro para este estranho sentimento: estas antigas ruínas se assemelhavam os implacáveis dedos em riste de um Deus Medieval expulsando do Paraíso os nossos ancestrais mais antigos. Contudo, não se tratava mais da cólera de um Deus por uma simples desobediência infantil como a gente lê no Antigo Testamento, mas de uma indignação de um pai ao constatar que os seus próprios filhos foram capazes de produzirem uma guerra com tanta crueldade e irracionalidade como toda guerra que ocorre por este mundo afora! Apesar disso, não posso negar a beleza que esta restauração trouxe a velha capital da saxônia! Além das restaurações, percebe-se a presença de novas construções que modificaram completamente a cidade e de outras ainda em construção. Todas elas vão pipocando aqui e acolá, reduzindo os espaços das grandes praças, e acabando de vez o pouco que sobrava da antiga arquitetura do chamado socialismo real. Frente a isso, um dorzinha bem miúda produzida por um saudosismo tocou meu coração! E uma pergunta emergiu lá do fundo da minha alma: será que o avanço deste capitalismo tão eficiente tocou a alma do povo desta região? Será que a sedução da lei do mercado, a volúpia da sociedade de consumo esmagaram completamente os sonhos socialistas da antiga Alemanha Oriental? Essas são perguntas que não ouso responder, afinal oito dias num país é insuficiente para a gente fazer um prognóstico sobre o que pensa de fato essa gente. Contudo algum panorama, mesmo que provisório a gente pode registrar. Logo no primeiro dia em Dresden, as notícias dos jornais informavam sobre uma manifestação publica dos professores, assim como dos policiais e outros funcionários públicos, contra os baixos salários dos últimos tempos. Mais tarde deparamos por uma enorme manifestação pública dos professores que tomavam as principais ruas de Dresden. Segundo a imprensa local 120 mil professores da Região da Saxônia paralisavam as suas atividades e marcharam pela cidade. Assistimos de forma discreta a manifestação, mas tarde, porém quando caminhávamos em direção ao edifício onde havia morado no passado para fazer algumas filmagens, deparamos com senhor já septuagenário, com uma bandeira do sindicato dos professores nas mãos e que nos observava atentamente. Depois de algum tempo, tomou coragem e perguntou de onde a gente vinha. Logo que informei que éramos brasileiros e o que fazíamos em Dresden, ele ficou efusivo , apontou para um antigo edifício e nos disse com a voz embargada de emoção: ‘Não sei se você se recorda, mas no alto daquele edifício estava escrito – ‘Der Sozialismus wird siegen!’ (O socialismo vencerá!) – O lema foi retirado lá de cima e agora está esta propaganda da Siemens, mas eu estou seguro que num futuro próximo vamos erguer de novo o antigo lema neste mesmo edifício! A isso eu tenho certeza que vamos! Em seguida, falou que era engenheiro aposentado e que havia feito doutorado na antiga União Soviética, mas não deixava de participar das manifestações públicas dos professores e que ele havia acabado de participar desta última manifestação. no final nos desejou muito êxito, e que segui com entusiasmo as notícias sobre o cenário político na AL, principalmente as notícias sobre o governo Lula, Bolívia e Venezuela. À noite tive um encontro com algumas colegas da Faculdade de Artes, o que muito me emocionou pela acolhida que recebi delas. Além dos inúmeros presentes que me trouxeram, a conversa regada com muito vinho e cerveja, pautou-se sobre a nossa vida atual, os filhos e a nossa vida profissional, mas quando toquei na situação política do país, o “pau quebrou” . A crítica a novo sistema foi dura. Para elas o que a gente tinha visto de progresso era apenas uma casquinha sedutora, mas no cerne da questão a situação era outros. O novo sistema está criando uma casta de ricos que fica cada vez mais rica e os trabalhadores perdem cada dia mais espaço. A crítica recaiu também sobre poder da mídia, e eu me senti de alguma forma no Brasil, quando uma das colegas deu ênfase no monopólio desta sobre as informações. Na sua opinião, a mídia “vendia seu peixe de forma descarada” e ocultava as mazelas do país. Ademais, questionaram a forma depreciativa que são tratados pelos cidadão da antiga Alemanha Ocidenta; segundo a opinião delas o preconceito dos alemães do outro lado contra eles, era o mesmo que estes sentiam contra os demais estrangeiros que vivem por lá. No entanto, elas próprias afirmavam que não era possível viver no sistema político anterior, era necessário encontrar um médio termo sobre o s dois sistemas.

Bom gente, até agora foi esta a impressão que eu tive sobre este país. Impressões que merecem ainda maior amadurecimento, mas porque não expô-las a vocês e deixar que tirem as suas próprias conclusões.

No mais, termini aqui por hoje a minha intervenção no este blog sobre a nossa viaje por este país.

Afonso Lanna
Dresden - Alemanha
28-02-09

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